quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

FESTA DE REIS NA IGREJINHA - UMA TRADIÇÃO

A TRADIÇÃO FAMILIAR NA VILA SÃO VICENTE, ANÁPOLIS/GO: FOLIA DE REIS 

Resumo: A Vila São Vicente está inserida na cidade de Anápolis-GO, habitada por moradores provenientes de algumas cidades de Minas Gerais. Ao se estabelecerem ali adquiriram pequenas propriedades rurais e com o passar do tempo erigiram uma pequena capela em devoção ao santo da devoção do grupo, que também denominou o bairro posteriormente, conhecido como Igrejinha. O espaço da materialidade da religião tornou-se centro irradiador de devotos que para lá se dirigiram e acabaram constituindo o local de moradia, habitado ainda em sua maioria por descendentes daqueles migrantes fundadores, que trouxeram além da vontade de cultivar a terra a devoção aos Santos Reis. Propomos uma investigação a partir dos giros da Folia de Santos Reis do ano de 2015, tendo em consideração os aspectos históricos de tal manifestação cultural e na composição de um espaço religioso não só nas proximidades da Igrejinha, hoje em processo de ampliação, mas também considerando os trajetos percorridos e as casas pelas quais a Folia passa a cada ano, tanto na área urbana quanto na rural – por onde girava anteriormente. As alterações de trajetos e os rituais serão brevemente mencionados considerando relatos de antigos foliões e participantes mais recorrentes, sendo descritos por meio das ritualidades constituidoras do giro, destacando ainda a farta distribuição de alimentos. A proposição de análise advém do fato de que esta Folia de Reis não possui uma investigação mais pontual, mesmo tendo quase um século e aglutinando centenas de pessoas. A Folia de 2015 folia escolhida pelo fato de que os três festeiro, representando os três reis magos eram da mesma família, uma das fundadoras da Vila, e por ter sido a última folia a contar com a participação do senhor Haroldo, um dos que implementou a Folia de Reis na Vila de São Vicente.

Palavras-chave: Folia de Reis; Vila de São Vicente; Anápolis. 

A busca por manifestações do catolicismo popular tem sido foco de nossas investigações, pois tais festas contribuem para melhor compreensão do universo de artes e dos saberes de um povo. Foi neste intuito que chegamos à comunidade de São Vicente de Paula, localidade também denominada de Igrejinha, na cidade de Anápolis. Propomos um breve relato festivo sobre esta comunidade durante a realização de uma comemoração aos Santos Reis, ocorrida na transição do ano de 2014 para 2015. Nestes momentos comemorativos acompanhamos a Folia de Reis que percorreu as ruas da comunidade e também pequenas propriedades rurais próximas, registrando com fotografias, vídeos e entrevistas informais, parte significativa dos rituais que compõem esta manifestação, que mesmo tendo surgido há quase um século, se mantém como um importante elemento identitário para a comunidade. Na busca de compreensão deste fenômeno festivo, nos deparamos com a necessidade de contextualização histórica, mesmo que superficial, da comunidade, o que nos levou aos arquivos da Prefeitura Municipal de Anápolis, quando foi encontrada a primeira referência sobre o loteamento São Vicente de Paula de Anápolis, sobre o qual será apresentada inicialmente em abreviada explanação, uma vez que ocorre em momento anterior à expansão econômica da cidade em direção sul. Posteriormente a Folia de Reis passará a ser o eixo condutor da descrição, recorrendo a literatura científica sobre outras manifestações que ocorrem principalmente em Goiás. Não há um estudo sobre a Folia de Reis na comunidade da Igrejinha, por isso, há de se destacar que as informações partiram das observações realizadas pelos pesquisadores ligados ao Projeto: Artes e Saberes nas Manifestações Católicas Populares, financiadas pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (Fapeg). São Vicente de Paula São Vicente de Paula nasceu a 1581. Recebeu posterior canonização pela Igreja Católica pelo importante desempenho nas ações ligadas à Reforma Católica que ocorreu na França. Foi Vicente, ainda o fundador da Ordem Lazarista, composta por homens que fazem os votos de estabilidade, pobreza, castidade e obediência. As práticas são voltadas aos pobres e assistência aos enfermos, conforme informações colhidas em Sgarbossa (1996). A devoção vicentina se pauta na visitação a distribuição de dinheiro aos pobres e principalmente na visitação aos doentes em hospitais de caridade. Deriva das atividades desenvolvidas por devotos de São Vicente de Paula a denominação de diversos Asilos ou abrigos para pessoas abandonadas em Goiás e em outras partes. Em Goiás, é bastante recorrente a devoção de fazendeiros e a inserção dos mesmos nas Conferências de São Vicente de Paula, como mantenedores das obras assistenciais desenvolvidas tanto por religiosos quanto por leigos. Esta ligação, tendo por base a terra, ou seja, as propriedades rurais, em muito contribuiu para que as atividades vicentinas contribuíssem para com a comunidade goiana. Anais do XIV Simpósio Nacional da ABHR Juiz de Fora, MG, 15 a 17 de abril de 2015 1217 Sendo uma das premissas da Ordem, o voto de pobreza, todos os donativos sempre foram transferidos ou transformados em benefícios para os mais carentes, desde alimentos até mesmo propriedades fundiárias, como o que deu origem a Vila de São Vicente, em Anápolis. A propriedade territorial transferida para a Igreja Católica ou Irmandades e Confrarias era bastante comum, desde momentos da disponibilização das terras via Sesmarias, conforme estudo de Silva (1996), ou posteriormente quando os Registros do Vigário (Silva, 2004) facilitavam o registro de terras devolutas em nome da Igreja. Após a Lei de Terras (1850), a oficialização tentou ser um instrumento eficaz, mas se deparou com alguns problemas, como a: “não existência de medidas de área das propriedades rurais. Quando muito foi encontrada uma medida aproximada, calculada pelo próprio dono da terra. As medidas mais comuns são a légua e a braça (simples, quadrada ou em quadra)” (Alencar, 1993, p. 70). As menções acima se direcionam para a compreensão das dinâmicas de posse e registros das terras, no entanto, o interesse aqui, ocorre a partir da documentação que origina a Vila São Vicente, criada em terras doadas por devotos, mas que foram vendidas com o intuito de melhor colaborar com os mais necessitados. Ainda seguindo esta premissa não buscamos as atas da Conferência no intuito de entender toda a negociação interna para a abertura do loteamento, uma vez que o interesse estava centrado no processo de ocupação das áreas transformadas em lotes que possibilitaram a habitação. A Vila de São Vicente está localizada no município de Anápolis, do qual era distante em 11 Km, tendo por acesso a BR 014. Os dados iniciais remetem ao Processo nº 1274 de 08/05/1952, que originou a Portaria nº 193 de 21/05/1952, junto à Divisão de Obras e Serviços Públicos da Prefeitura Municipal de Anápolis, requerendo aprovação do loteamento em gleba de terras da fazenda Pindobal, cujo interesse era da Conferência São Vicente de Paula. O pedido foi encaminhado pelo então presidente da Confraria, o senhor João Batista Ferreira de Mendonça que menciona o responsável técnico como sendo o Engenheiro Benigno Ribeiro. A documentação, de fácil acesso, e bem acondicionada sob a denominação de Processo 129, constitui-se de vários documentos escritos e também de cópia da planta baixa do loteamento a ser implantado. Anais do XIV Simpósio Nacional da ABHR Juiz de Fora, MG, 15 a 17 de abril de 2015 1218 Figura 01: Planta baixa Loteamento Vila de São Vicente (1952) Fonte: Prefeitura Municipal de Anápolis. Foto: João Guilherme, 2015. Doze foram as quadras propostas e aprovadas, sendo uma delas destinada à Igreja, que se limita com outras cinco. É interessante perceber que a área destinada à praça de esportes é maior que o espaço dedicado à Igreja. A geometria da disposição de quadras, lotes e logradouros públicos não obedecem a uma uniformidade, o que já era comum à época. Inicialmente a ocupação vai ocorrer com os fazendeiros ou chacareiros que moravam nas proximidades. Os primeiros lotes vendidos, como indicado na figura acima apontam para a proximidade entre parentes, quase que uma continuidade do mundo rural foi transposta inicialmente para a Vila de São Vicente, que ao ter edificada uma capelinha em homenagem ao referido santo, passou a ser denominada também de Igrejinha. Ocupação inicial O povoado de Santana das Antas tem início oficial em 1870, com a doação de terras à Santana, padroeira de Goiás, para quem é erigida uma capela. Os fazendeiros locais se cotizam nesta doação e em seguida o povoado passa a ser uma freguesia, vila e depois cidade, o desenvolvimento pode ser assim compreendido: o crescimento populacional e a chegada de imigrantes na cidade, principalmente italianos, sírios e libaneses, que em geral vinham de São Paulo e Minas Gerais, está associado ao desenvolvimento da agricultura de mercado e do comércio urbano, que se dinamizaram após 1920, com a ligação rodoviária de Anápolis a Roncador, e, em 1935, com a inauguração Anais do XIV Simpósio Nacional da ABHR Juiz de Fora, MG, 15 a 17 de abril de 2015 1219 da estação ferroviária de Anápolis, que passa a ser o ponto final dos trilhos (Polonial, 2007, p. 25). A Vila São Vicente está inserida na cidade de Anápolis/GO e é habitada por moradores também provenientes de algumas cidades de Minas Gerais, principalmente a partir de programas governamentais como a Marcha para o Oeste, implantadas por Vargas. Vale ressaltar que nestas condições de apoio e incentivo os deslocamentos em massa se deram entre os pequenos agricultores, que se transferiam em busca de terras que possibilitassem o cultivo de uma vida melhor. Ao se estabelecerem ali, em terras goianas, os originários de Minas Gerais, em especial, adquiriram pequenas propriedades rurais, nas proximidades das quais com o passar do tempo, após doação e loteamento erigiram uma pequena capela em devoção ao santo da devoção do grupo, São Vicente de Paula, que também denominou a área atualmente elevada a bairro e conhecida ainda como Igrejinha. O período compreendido entre a década de 1950 foi bastante tumultuado em Anápolis: chegada dos trilhos, o município perdeu quase a metade de sua área, com as emancipações de Nerópolis, Nova Veneza, Damolândia, Brasabrantes, Goianápolis e Ouro Verde. Em contrapartida a população passou em 1935 de 33.375 habitantes para 68.732 moradores na contagem de 1960 (Polonial, 1997). Outro dado importante foi a “criação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em 1952, fazendo com que os religiosos participassem, cada vez mais, das discussões políticas do país” (Polonial, 2000, p. 116). Fato este que reativou grande parte dos festejos que estavam em desuso pelos fieis católicos ou ainda colaborou para o surgimento de outros. Na Vila de São Vicente, Igrejinha, o espaço da materialidade da religião tornou-se centro irradiador de devotos que para lá se dirigiram e acabaram constituindo o local de moradia, habitado ainda em sua maioria por descendentes daqueles migrantes, que trouxeram além da vontade de cultivar a terra também a devoção aos Santos Reis. 

Folia de Reis na Vila São Vicente 

Propomos uma investigação a partir do giro da Folia de Reis que aconteceu entre dezembro de 2014 e janeiro de 2015, com foco maior para o dia dedicado aos Santos Reis, comemorado a seis de janeiro.  Para participação, identificamos o espaço denominado Vila São Vicente e percebemos que atualmente nas proximidades desta Vila foi aberto um novo loteamento denominado Residencial São Vicente, que também se encontra em adiantado processo de ocupação. Sobre as características iniciais vale salientar a via de acesso, denominada: Estrada para Igrejinha até certo ponto em que continua como Rua Jesus Duarte. As ruas são quase todas denominadas por nomes do panteão católico: Santa Genoveva, Santa Bárbara, Santa Tereza, Santa Clara, Santa Branca, Santa Rita, Santa Luzia, Santa Virgínia, Santa Mônica. Mas há toponímias referentes ao mundo terreno, como: Praça e Rua João Batista Mendonça, (O fundador doador das terras junto com sua esposa Ana Ferreira da Conceição), Rua Iraci Alves dos Anjos, Eduardo Marçal, Hermes Souza, Geraldo da Paixão e Silva e Adolfo Pacheco. No entanto, existem outros logradouros, mas destacamos aqui somente os principais. Uma informação interessante é que estes quatro nomes das vias públicas da Vila São Vicente, caracteriza uma homenagem a seu fundador e antigos moradores que participaram do processo de ocupação inicial, assim como possuíam algum envolvimento com a Folia de Reis. As origens da Folia de Reis da Vila São Vicente foram contadas durante o encerramento dos festejos em janeiro de 2015, por meio de uma narrativa escrita em uma folha comum, com a colaboração de várias pessoas da comunidade. O documento começa destacando que: “para nós cristãos, a folia de Reis, uma festa popular cultural que compõe o nosso folclore, tem um significado que move e dá sentido a festa que é a devoção e fé nos Reis que foram a procura de Jesus” (Carta de apresentação da Folia). Importante se faz destacar que atualmente grande parte dos envolvidos nas manifestações culturais de cunho popular, possui consciência, tanto da fé quanto da devoção e da representatividade das festas de que participam. O sentido de deslocamento se faz presente, pois é uma das premissas das folias, cujos trajetos circulares são denominados giros de folia. O trajeto histórico da devoção aos Santos Reis, assim como as várias adaptações que ocorreram ao longo do tempo, pode ser observado com maiores detalhes em Pessoa e Félix (2007). Mas vale ressaltar que a Folia de Reis é bastante comum no Brasil, desde o período colonial. Algumas obras abordam as folias de Reis em Goiás, dentre elas destacamos a pesquisa de Canesin e Silva (1983) que estudam esta manifestação na cidade de Jaraguá. Em trabalhos de campo recente encontramos com foliões que contribuíram com as autoras repassando informações. Referência indispensável vem de Brandão (2004), com um capítulo dedicado à Folia de Reis de Mossâmedes, com instigante gama de detalhes sobre a ritualidade de uma festa tão importante para aquela comunidade. Outra pesquisa interessante, por abordar a festa como Anais do XIV Simpósio Nacional da ABHR Juiz de Fora, MG, 15 a 17 de abril de 2015 1221 um espaço de ensinar e de aprender a cultura popular foi produzida pelo professor e embaixador de Folia, Jadir Pessoa (2009). A exemplificação de várias Folias de Reis advém das características individuais de cada uma delas, assim como as influências que trazem na sua constituição histórica, como pode ser observada na continuidade do documento que denominamos como carta de apresentação: a Folia de Reis da Capela São Vicente [...] é uma tradição desde seus primeiros habitantes, tendo a pessoa de Haroldo Antônio de Souza, hoje com 89 anos de idade um dos foliões por mais de 50 anos. Hoje o atual capitão é o senhor Valdeir Pedro Martins que é neto do folião responsável por trazer de Minas Gerais a coroa e a tradição desta folia há mais de 80 anos (Carta de apresentação da Folia). O senhor Haroldo Antônio de Souza se fez presente, como em todos os demais anos, no momento da entrega da Folia de Reis, que ocorre na noite do dia 06 de janeiro. Ele é bastante homenageado e recebe os cumprimentos dos foliões, pois cabe a ele o mérito da introdução da Folia de Reis da Vila São Vicente. A Folia de Reis quando por ocasião do giro pelas ruas da comunidade não seguem antigos preceitos ritualísticos presentes ainda em grande parte das folias que acontecem em Goiás e também em outras localidades, como por exemplo, a bandeira da folia cruzar caminhos, ou passar pelo mesmo lugar uma segunda vez durante o giro. Fomos indagar os motivos de abolirem estes interditos ritualísticos e em conversas com os foliões nos foi dito que devido ao crescimento da vila e as necessidades do mercado de trabalho é muito comum um morador que sempre recebeu a bandeira, não estar em casa quando do giro, por isso a bandeira seguida pelos foliões voltam à residência deste devoto para abençoá-la. Nos relatos constam que buscam manter as tradições mineiras da folia, e inclusive estabelecem contato com as cidades mineiras de onde vieram seus ascendentes visando intercâmbio de conhecimentos voltados para a realização da folia. A Folia da Vila São Vicente possui ainda uma coroa, que segundo os foliões mais antigos foi trazida de Minas Gerais para que em Goiás pudessem continuar com as caminhadas em homenagem aos Reis Magos. Os foliões promovem o giro durante o dia, diferentemente das demais folias de Reis. Seguem caminhos visitando os moradores da Vila de São Vicente e de propriedades rurais próximas, assim como os novos bairros residenciais adjacentes. A visita da bandeira da folia consiste em entrar nas casas e promover cantoria nos presépios. Quanto mais composto o presépio, mais tempo os foliões despendem naquela residência. Anais do XIV Simpósio Nacional da ABHR Juiz de Fora, MG, 15 a 17 de abril de 2015 1222 A capela de São Vicente encontra-se em reforma para a implantação de duas torres na fachada frontal, o que não impediu que fosse realizada ali a saída da folia, cerimônia ritualística que aglomera os foliões, quando é entregue a bandeira para o giro. Logo em seguida a folia começa sua caminhada devocional pelas ruas do bairro, com uma significativa variação de foliões e também de público. A entrega da Folia de Reis O termo entrega no contexto das folias significa o momento final, quando os donativos passam das mãos dos foliões para os promotores da folia, neste caso a Igreja, representada pelo padre que atende a capela. A atividade de entrega ocorre após a reunião dos foliões na casa de Evandro de Paula, que abriga o capitão da folia (Valdeir Pedro Martins), uma vez que este reside no centro da cidade de Anápolis. A atividade inicial consiste na reza no presépio, quando cantam até a chegada do maior número de foliões. O deslocamento para o salão da igreja, situado na proximidade do templo religioso ocorre quando todos os preparativos estão prontos. “O sinal pode vir tanto dos fogos de artifício como por uma chamada de celular”, nos conta um dos organizadores, o senhor Evandro de Paula – genro do senhor Haroldo. O deslocamento pelas ruas é acompanhado pelos músicos que seguem o trajeto tocando e cantando as músicas da folia. A bandeira é carregada prioritariamente por quem tem um voto a pagar ou por quem alcançou uma graça por fé, devoção ou intervenção dos Santos Reis, caso contrário o alferes da Folia é que a desloca. Outros componentes que seguem obrigatoriamente a bandeira da folia é a Rainha, denominada Rosa pelos foliões, que pode inclusive não ser da comunidade, e que porta uma coroa e uma flor segurada nas mãos. Seguem também os festeiros, três homens que representam os Reis magos: Gaspar, Baltazar e Melchior. Figuras indispensáveis são os palhaços, que na Vila de São Vicente não possuem denominações próprias como em outras folias de Reis visitadas. Havia três, dois vestidos de homens e um vestido de mulher. Momento solene é a transposição do arco elaborado com folhas de palmeiras, pois ele é o delimitador do espaço público com o espaço da festa. Representa o que Gennep (2011) identifica como sendo o rito de passagem da soleira. Delimitação de espaços distintos. No caso da entrega da Folia de Reis da Vila São Vicente, é bastante comum os partícipes fazerem o sinal da cruz ao transporem este símbolo ritual efêmero, que é artisticamente elaborado para este momento em especial. Anais do XIV Simpósio Nacional da ABHR Juiz de Fora, MG, 15 a 17 de abril de 2015 1223 Ao adentrarem ao salão, previamente ornamentado e organizado para a cerimônia de encerramento da Folia de Reis, a Rosa e os Reis Magos, ocupam um pequeno palco improvisado, quando após a cantoria acompanhada por diversos músicos que tocam violas, violões, acordeons, pandeiros e caixas, passam as coroas e faixas para a nova Rosa e para os novos Reis Magos, que farão a festa no ano seguinte. Enquanto isso, na cozinha, situada no mesmo salão, os preparativos para o jantar comunitário se finalizam quando as comidas são dispostas em mesas, organizadas para servir os convidados. O trabalho de produção dos alimentos é voluntário e grande parte dos ingredientes é doação feita pelos devotos. O cardápio consistiu em salada de cenoura com repolho, vinagrete, salada de macarrão, batata com carne, macarrão, salada de cenoura com beterraba, carne bovina, mandioca, carne de frango, feijão em caldo e arroz branco. Tudo em grande quantidade, o suficiente para alimentar toda a multidão e ainda sobrar, o que caracteriza a fartura da folia goiana. Acompanhando a janta, foi servido ainda refrigerante e doce de leite e de mamão. Os recipientes descartáveis foram utilizados para dinamizar a distribuição entre as várias centenas de participantes que lotaram o Salão Comunitário São Vicente, que já possui toda uma estrutura e equipe para a produção de grandes festas das devoções da comunidade local. Devido ao grande tumulto, pelo elevado número de pessoas presentes, os palhaços auxiliam na organização das filas, e aos foliões é destinado um espaço reservado, com mesas para melhor acomodá-los e evitar filas. Após as cerimônias ritualísticas de troca dos festeiros para o ano vindouro, no lado externo do Salão Comunitário, foi ligado um trio elétrico que animou a festa com sucessos sertanejos do momento, quando participantes começaram a dançar. Considerações finais Ao acompanhar a Folia de Reis que acontece na Vila São Vicente, nos deparamos com uma folia de herança mineira, segundo os foliões que dela participam, dentre eles o senhor Valdeir Pedro Martins, atual capitão da Folia em entrevista realizada durante a entrega. O termo tradição foi uma recorrência, utilizado principalmente quando inquiridos sobre a história da folia na comunidade. A figura do senhor Haroldo é o ponto convergente de todas as respostas sobre a constituição e manutenção da folia no transcorrer do tempo. Importante observar que a concepção de tradição que possuem está bastante ligada aos propostos tanto por Hobsbawn (2012) e por Giddens (2003), que nos indicam a necessidade Anais do XIV Simpósio Nacional da ABHR Juiz de Fora, MG, 15 a 17 de abril de 2015 1224 das comunidades criarem, alterarem e adaptarem as manifestações de acordo com as necessidades de que dispõem. A tradição familiar fica bastante evidente ao perceber que toda a multidão que ali se faz presente, na verdade é constituída por pessoas descendentes dos pioneiros da Vila São Vicente, inclusive os festeiros que recebem as coroas e faixas passando a representar os Reis Magos. Em 2015, a tradição familiar se evidencia, quando dois primos e um tio foram os festeiros, respectivamente: Diego Gomes (Gaspar), Billy Ranndys (Baltazar) e João Pacheco (Melchior). Vale ressaltar que todos eles já tinham sido festeiros em outros giros anteriores. Independente de habitarem ou não a Vila de São Vicente, de terem seus ancestrais vivos e participando da Folia de Reis da Igrejinha, os descendentes destes mineiros que constituíram famílias com os goianos que aqui encontraram, se encontram a cada ano em um momento de congraçamento sob as bênçãos dos Santos Reis, para quem promovem uma folia que tem gerado bastante repercussão entre os foliões que a ela se agregam e também à cultura goiana. Exatamente três meses após a entrega da Folia de Santos Reis em 2015, a comunidade de São Vicente de Paula, a Igrejinha, viu partir da jornada da vida, um dos fundadores da Folia de Reis local: o senhor Haroldo Antônio de Souza, que foi ao encontro dos Reis Magos!

João Guilherme da Trindade Curado1 Adolpho Randes Mesquita Ferreira
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